Do Banzo ao Orun é atemporal por transitar entre o passado, presente e o futuro sem ordem cronológica aparente. É a história de Lucas e de incontáveis pessoas pretas captada sensitivamente por D’Ogum, nome esse que o foi concedido a partir de seu reencontro com o Axé na força do Orixá Ogum, o senhor das guerras e demandas impossíveis, que mudou a sua vida e o presenteou com esse disco.
O “Banzo” é o estado mental e espiritual melancólico refletido de forma enferma no corpo de pessoas pretas que foram escravizadas. Manifestava-se com a saudade visceral da terra natal, na aversão aos maus tratos, na privação dos próprios sentidos, da proibição de culto e ligação com seus ancestrais, e principalmente, na aversão à privação da liberdade, o que levava ao suicídio. Esse Banzo atravessou séculos e nos acompanha de uma forma diferente, mas ainda assim, de forma extremamente cruel.
Nascido na Vila São Pedro, favela de São Bernardo do Campo, D’Ogum vivenciou o banzo em meio as violências, a falta de uma identidade, a falta de uma história sobre quem o mesmo é, de onde veio e o que mais o torturou: Pra onde iria. A resposta sempre foi uma só, a morte precoce. Até que Lucas encontrou D’Ogum, que se tornou o seu Orun.
“Orun” na cultura iorubana e nas religiões de matrizes africanas é o “céu”, o plano espiritual, é onde estamos plenos em relação a quem somos, onde estamos conectados com nossa ancestralidade, com a nossa casa, com o nosso chão, com quem verdadeiramente somos.
As faixas retratam essa dança secular sentida em nossas peles, que enfraquece e fortifica a nossa melanina diariamente. Sem pretensão de apontar respostas prontas, mas sim de ativar os sentidos adormecidos dentro dos nossos para que a reconexão do que já fomos, do que ainda somos e do que sempre seremos, seja novamente reestabelecida. De acordo com a subjetividade e complexidade da vida de cada um. “Exú matou um pássaro hoje com a pedra que atirou ontem” do Banzo ao Orun poderia ser definido por essa frase.
“Após um ato de perdão comigo mesmo em relação ao meu passado, fui presenteado com esse disco no presente, e a música, ancestralidade viva, trouxe ainda mais uma perspectiva de futuro. É sobre amor, sobre nossas vidas, sinta-se presenteado também.
Você nasceu pra brilhar!”
D’Ogum.
O EP que tem produção, direcionamento musical e uma sensibilidade minuciosa de Vibox, transita totalmente envolvido pela música preta tendo como seu pilar central o Neo-Soul. A versatilidade é um ponto forte do trabalho, do Riddin ao Afrobeat, do Trap Funk, ao R&B, é explorado com afinco toda a musicalidade possível nessa primeira expressão musical de D’Ogum. O direcionamento vocal é por conta de Vic Oliveira, que também assina como única participação do disco. Cantora de MPB, Poeta e também professora de canto, Vic Oliveira e Vibox são dois pontos essenciais para a construção de todas as músicas.