Por Issa Paz
Escrevi esse texto faz um tempo. Mudaria algumas coisas nele, mas acho que foi escrito na intensidade que foi necessária justamente por todo seu conteúdo. Não vou tirar nada então. Foi escrito dia 14 de Agosto de 2014. Não acho que esse texto possa representar toda uma classe do Hip Hop, mas fala muito do que eu vejo da cena que vivo no momento e dos MCs que estão ao meu redor. Vejo que muita coisa desse texto já mudou hoje quase um ano depois e também que muita coisa ainda precisa mudar. Considerem como mais uma opinião, ok? Então, aqui vai:
“Nós somos MCs”.
Isso já torna tudo um pouco mais difícil.
Acreditamos naquilo que fazemos, mas não chegamos nem perto do que um “artista” do sertanejo ou do axé pode fazer com sua música.
Não temos nenhum prêmio de Lei Houanet. Não vamos ter um show exclusivo e nem vamos fechar um estádio para um show com milhões. Não vamos ter direito a cachê em shows menores e também não vamos poder ganhar a vida tocando nos bares a noite, porque muitos de nós não tocam violão ou cavaquinho. A sociedade não valoriza aquilo que fazemos porque considera o tipo de música mais “fácil” de se fazer, e nem imaginam… Nossos produtores e beatmakers não são valorizados. Existem poucos DJs na cena, pois os equipamentos são muito caros. Nós não gostamos da polícia e não podemos contar com o apoio governamental porque eles também não gostam de nós. Não temos uma rádio no FM. Não temos uma revista pela editora Abril então não estamos em todas as bancas da cidade. Pra tocar nos grandes lugares, precisamos de assessoria, técnicos de som e iluminação, uma produtora que emita nota fiscal, fotógrafos e promotores. Em nossa maioria não temos nem 10% disso. Nossa música não vai tocar na rádio FM. Ninguém vai te “descobrir” e você só vai assinar com uma gravadora gigante, ao menos que você se torne um subproduto que eles desejam. E muitos de nós não vamos nos tornar isso. Porque somos MCs…. Somos uma legião que não se conhece. Se ignora. Porque muitas vezes acreditamos que ao conhecer ou tornar conhecido um de nossos companheiros de trabalho estamos fortalecendo a concorrência. Nós mesmos nos destruímos e nos atacamos na maioria das vezes. Nós não nos consideramos profissionais, porque nem ao menos conseguimos tirar algum sustento do que fazemos. Somos artistas, mas vivemos trancados em escritórios, fábricas, almoxarifados, estoques, lojas e supermercados a maior parte de nosso tempo. Somos MCs. E ninguém tá nem ai pra isso. É incrível de se ver como até o funk, tem mais espaço no mainstream em tão pouco tempo de vida e nós continuamos no underground, nos sujeitando em favores, nos humilhando muitas vezes para sermos reconhecidos. Muitos de nós nascem na periferia e morrem na periferia, resistindo. Não temos a menor noção da nossa força, do tamanho do nosso público e de como somos numerosos, pois insistimos em nos segregar, em nos delimitar, em nos atacar. Mas, nós somos MCs. Uma espécie diferente. Autodidatas por natureza. Vivendo sobre um grau ocular maior. Nos arriscando por aquilo que nos mantém vivos. Transformando vidas por onde quer que passemos. Levando mensagens, cantando histórias, trazendo esperança e tentando caminhar no escuro em busca da luz.
Nós somos MCs. Talvez a classe de músicos mais discriminada e limitada do cenário musical nacional, mas nem por isso paramos de escrever. Talvez porque fomos transformados pelo RAP e acreditamos que podemos transformar outras pessoas também. E nossos motivos não são muitos, mas são os mais importantes…. Não sei se isso justifica nossa caminhada, mas tenho certeza que justifica o mínimo de respeito que devemos ter uns com os outros e talvez, nos faça pensar melhor antes de nos atacar ou discriminar. Ser MC qualquer um pode ser, mas ter orgulho de ser um MC…. ah, isso… isso todos deveriam ter!
Mais amor, mais respeito e mais união ao RAP, é isso que nos move! PAZ”