CHORÃO: Poesia, autenticidade e atitude que conectaram a juventude brasileira na virada do século

crédito: Marcelo Rossi

O artista foi muito mais que um cantor: foi um símbolo de resistência e identidade para uma geração que o mantém vivo no imaginário brasileiro até hoje

Por Kélita Myra, Fogo no Paiol Music Hub / @fogonopaiol

A história do rock brasileiro é marcada por ícones que representaram gerações, a exemplo de Renato Russo, Cazuza e Rita Lee. A chegada do século 21 revelou ao Brasil Alexandre Magno Abrão que se intitulava apenas Chorão, um apelido trazido da infância exatamente pela sua personalidade sensível e emotiva.

Em 1997, Chorão e a banda Charlie Brown Jr. lançaram “Transpiração Contínua Prolongada” (EMI/Universal Music), álbum que escreveu um capítulo inédito na história do rock nacional e fortaleceu a cena da diversificada produção musical que ressoava de Norte a Sul do Brasil.

Se estivesse vivo, Chorão completaria 55 anos hoje (9 de abril). A fusão de rock, reggae, punk, rap e surf music de sua banda – eternizada em clássicos como “Proibida pra Mim (Grazon)”, “Ela Vai Voltar”, “Dias de Luta, Dias de Glória”, “Lugar ao Sol” e “Zoio de Lula” -, transportou o artista para a timeline das lendas do rock brasileiro. Chorão se tornou um ícone geracional por uma combinação de talento, autenticidade, identificação e resistência.

Confira algumas características que tornaram o artista imortal entre os fãs do Charlie Brown Jr:

Mensagens – Chorão era um compositor compulsivo. Daqueles que descarregam nas letras todas as suas dores e paixões. Temas reais e profundos alinhados a uma narrativa direta e acessível resultaram em um contador de histórias irresistível. Dilemas juvenis, questões sociais, poesia de rua, gírias do skate e surfe transformavam-se em manifestos cantados a plenos pulmões no palco e na plateia.

Profundidade – Chorão falava de dor, superação e liberdade de um jeito intenso e sensitivo, seja quando revelava seu coração partido, suas andanças pela noite ou os questionamentos da periferia. Ele abria um leque de verdades sem romantismos ou rodeios que conectava rapidamente os ouvidos atentos.

Sinceridade – Quem conviveu com Chorão afirma que ele era brutalmente sincero, do tipo que também ama ou odeia. E isso encantava e atraía ainda mais os fãs. Chorão deixava claro que era humano, falho e intenso e não fazia tipo para agradar.

Autenticidade – A postura de “anti-herói” assumindo erros, vícios e contradições era entendida e recebida com a mesma sinceridade. Suas entrevistas eram cheias de declarações explosivas, o que o tornava imprevisível e fascinante.

Cultura de rua – Chorão não era um rebelde sem causa. O Charlie Brown Jr. não cantava para a elite; falavam para o jovem da periferia, do skate, do surf e das quebradas. Com seu lifestyle, o artista se conectou com adolescentes dos quatro cantos do Brasil e impulsionou a cultura destes esportes na grande mídia.

Carisma e Contradição – Herói e vilão ao mesmo tempo, Chorão se mostrava ora generoso, ajudando fãs e amigos, ora explosivo, se metendo em brigas e polêmicas. Essa dualidade o tornava mais humano entre o público. Alguns ainda o viam como uma figura paterna, um “irmão mais velho” que dizia verdades que ninguém tinha coragem.

Criador de tendências – O artista e sua banda mantinham um visual street marcante que falava diretamente com os jovens, entre bonés, tênis, bermudões e camisas largas. Chorão foi um dos primeiros artistas do rock a empreender fora da música, criando marcas como DO.CE e La Plata, e recebeu homenagens póstumas em coleções de empresas como C&A, QIX e Hering.

CBJ Pra Sempre

O sucesso do Charlie Brown Jr e a popularidade de Chorão já ganharam tese, livro, filme e série. Sua influência e legado deslizam velozmente até as gerações atuais. Hoje podemos rever a história ou escutar as músicas da banda em álbuns remasterizados, especiais históricos de TV (principalmente da MTV), podcasts, coletâneas, tributos, além de covers samples de outros artistas, como Marcelo D2, Emicida, Filipe Ret e Criolo.

O CBJ foi um dos primeiros grupos de rock a dominar os charts nacionais de rádio e ultrapassar a casa dos três dígitos em venda de CDs, se igualando a grandes artistas pops da época. A morte de Chorão, em março de 2013, externou uma complexa teia de pressões trazidas pela fama, vulnerabilidade emocional e dependência química. Apesar do desfecho trágico, suas frases carregadas de atitude, poesia e resistência ecoam até hoje na cultura jovem do Brasil.

Discografia Charlie Brown Jr. (EMI / Universal Music):

Transpiração Contínua Prolongada” (1997)

Prod: Tadeu Patola / Rick Bonadio

Após cinco anos tocando no underground santista, finalmente a banda Charlie Brown Jr conquista sua grande oportunidade. O álbum de 16 faixas tem no ska-rock-punk-core tudo o que a molecada queria. Meu, cê não sabe o que aconteceu: os cara do Charlie Brown invadiram a cidade! E foi isso mesmo! Os garotos de Santos invadiram as rádios e os Estados brasileiros com uma autenticidade e versatilidade ímpar, liderados pelos versos de “O côro vai comê” e outros sucessos, como “Tudo que ela gosta de escutar”, “Quinta-feira” e o mega hit “Proibida pra mim (Grazon)”. O álbum traz influências claras de artistas internacionais como Suicidal Tendencies, Dead Kennedys e Beastie Boys e nomes recentes do rock nacional da época, como Raimundos, Planet Hemp e Chico Science & Nação Zumbi, que podem ser vistas em outras faixas que não foram singles, como “Gimme o Anel”, “Corra Vagabundo” e “Charlie Brown Jr”.

Preço Curto, Prazo Longo” (1999)

Prod: Tadeu Patola / Rick Bonadio

Após dois anos de estrada e amplo sucesso nas rádios e na MTV, o grupo supera o fantasma da aprovação do segundo álbum com força criativa de 25 faixas ainda mais seguras no discurso e no som. Apesar dos versos descontraídos “Meu escritório é na praia / Eu tô sempre na área / Mas eu não sou da tua laia”, do hit “Zóio de Lula”, o disco traz um Charlie Brown mais pesado e carregado nas influências do skatepunk e hardcore. Vide “Confisco”, “O puxa carro” e o encontro com Rodolfo, ainda no Raimundos, em “Bons aliados”. Equilibrando os gêneros pesados com os mais leves, a banda agrada em cheio meninos e meninas com músicas como “Hoje de noite” e “333”. Exímio letrista e romântico incurável, Chorão dropa sozinho em baladas radiofônicas como “Te levar daqui” e “Não deixe o mar te engolir” e ainda fortalece a ligação com o hip-hop a cada álbum (“União / Fogo Na Bomba”). Todas as 25 bases das músicas deste disco foram gravadas em um dia! Imaginem a gana destes moleques!

NADANDO CONTRA OS TUBARÕES” (2000)

Prod: Charlie Brown Jr. / Tadeu Patola

Depois de três anos, a banda sentia os altos e baixos trazidos pelo sucesso e este foi o último disco com a formação original, gravado após uma temporada do grupo no Guarujá para os ensaios. Apesar do ácido e pesado single “Rubão, O dono do mundo”, o disco abraça fortemente o rap, com participações de Negra Li no sucesso “Não é sério”; Helião, SandrãoNegroutil Sabotage (RZO) em “A Banca” e o rapper Mikimba (do grupo De Menos Crime) em “Somos extremes no esporte e na música”. Alerta raridade: Estas três faixas citadas não estão disponíveis na versão digital do álbum disponível nas plataformas de streaming, apenas no CD físico. O grupo ainda apresenta no disco o rap “Pra mais tarde fazermos a cabeça” e canções ora pesadas (“Tudo mudar”, “Essa é por quem ficou pra trás”) ora mais leves (“Transar no escuro”, “Talvez a metade do caminho”) que o público canta até hoje. O trabalho sucede a morte do pai do Chorão, que também contribuiu para uma fase de depressão do artista, explicitada na música “Ouviu-se Falar”.

100% Charlie Brown Jr – Abalando a Sua Fábrica” (2001)

Prod.: Carlos Bartolini

Em 2001, o Charlie Brown Jr já se consolidara como a principal banda de rock da molecada, com centenas de shows e aparições nos principais programas de TV. Chorão era o novo poeta urbano. Com a saída do guitarrista Thiago Castanho, que deixou o grupo durante a turnê querendo desacelerar, o Charlie Brown virou um quarteto e gravou todo o álbum ao vivo no estúdio, no Rio de Janeiro, sem participações especiais. Foi um disco mais punk rock e com letras que se dividiam entre relacionamentos amorosos e mergulho no discurso social, expandindo a caneta de Chorão para a política, a indignação e a força da juventude, como na faixa de abertura “Eu Protesto” e em “Tudo Pro Alto”. O disco também contou com diversos sucessos, como “Hoje eu Acordei Feliz”, “Lugar ao Sol” e a balada “Como tudo Deve Ser”. A banda aumentou sua agenda de shows e tocava frequentemente no Brasil, Europa e Estados Unidos.

BOCAS ORDINÁRIAS” (2002)

Prod.: Tadeu Patola

O álbum já começa fazendo jus ao título. Metralhando palavrões, “Papo Reto (Prazer é sexo, o resto é negócio)” ganhou o Brasil com os versos “Então já era, eu vou fazer de um jeito que ela não vai esquecer…. ”. A autenticidade do artista e da geração que ele representava era a bandeira do álbum. Chorão tinha seguidores cegos e amados. A potência de sua escrita era uma lança em músicas tão díspares em suas narrativas, mas uníssonas em sua representatividade. O existencialismo sensível de “Eu só procuro a minha paz” ou do mega hit “Só por uma noite” convivia harmoniosamente com as explosivas e combativas faixas “Não fure os olhos da verdade” e “Bocas ordinárias”. A versão do CBJr para “Baader-Meinhof Blues”, da Legião Urbana, emociona e explicita o poder do rock intergerações. O álbum mostrou que de ordinários, eles só tinham a piada de “bocas sujas” apontada pelos lusitanos que deu título ao CD.

DVD “CHARLIE BROWN JR. AO VIVO” (2002)

O primeiro DVD da banda foi gravado nos dias 23 e 24 de março de 2002, no DirecTV Music Hall, em São Paulo, e transmitido pelo canal de TV por assinatura DirecTV. Nos extras, o DVD traz quatro videoclipes: “Confisco”, “Não Deixe o Mar te Engolir”, “Rubão, o Dono do Mundo” e “Hoje Eu Acordei Feliz”, além de making of do show, imagens da turnê e entrevistas com a banda.

CD e DVD “ACÚSTICO MTV CHARLIE BROWN JR”  (2002)

Prod. Tadeu Patola

No auge da carreira, o Charlie Brown Jr deu um salto ainda maior, expandindo o público com o “Acústico MTV”, que ressaltava ainda mais suas linhas melódicas. O show trouxe nova roupagem para músicas como “Quebra-Mar”, “Tudo pro Alto” e “Tudo o que ela gosta de escutar” e catapultou definitivamente os hits “Quinta-feira”, “Proibida pra mim” e “O Coro vai Comê”. A apresentação lançou duas músicas inéditas que logo se tornaram sucesso imediatos: “Vícios e virtudes” e “Não uso sapato”. Como um bem sucedido filho, o Charlie Brown Jr pediu a “bênção” para duas de suas referências musicais: O “reverendo” roqueiro baiano Marcelo Nova, na sua “Hoje”, e Marcelo D2, numa gravação ímpar de “Samba Makossa”, de um terceiro ídolo do grupo, Chico Science & Nação Zumbi. O álbum ainda repetiu o encontro com a cantora Negra Li, na música “Não é sério”, e com o grupo de rap RZO, em “A Banca (Ratatá é bicho solto)”. A banda ainda lembrou outra referência, Jorge Benjor, em “Lá Vem Ela”, com uma “pitada” de “Musa da Ilha Grande”, da banda Mundo Livre S/A.

“Tamo Aí na Atividade” (2004)

Prod. Rick Bonadio

Vencedor do Grammy Latino na categoria de “Melhor Álbum de Rock”, o novo disco sofistica a produção com inserções eletrônicas e tem discurso ainda mais ferino. As faixas “Malabarizando” e “Champanhe e Água Benta” fazem um review da história e do estilo da banda, mostrando por que o CBJr nunca terá seu nome apagado da história do rock. O sucesso do disco anterior, porém, não trouxe apenas glórias. O relacionamento desgastado com os próprios integrantes e as constantes desavenças públicas com outros artistas trouxeram para Chorão a aura de “ame-o ou odeio-o”. Não à toa, músicas como “Eu vim de Santos Sou Charlie Brown” e “Tamo Aí na Atividade” são um recado direto aos críticos e desafetos do grupo. Por outro lado, o álbum ainda elevou o nível de suas baladas existenciais (“Longe de Você”, “Lixo e o Luxo”) e reforçou o “skate lifestyle” da turma (“Di-Sk8 eu vim” e “Di-Sk8 eu vou”). Durante a turnê, começaram os rumores do final da banda, sempre negado por Chorão.

DVD “NA ESTRADA 2003-2004

O DVD traz imagens inéditas da banda, captadas durante sua última turnê nacional e internacional, incluindo os principais momentos do show acústico nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Santos, além de cenas de bastidores e galeria de fotos.

Imunidade Musical” (2005)

Prod: Chorão e Thiago Castanho

Com a dissolução da formação original – todos os integrantes saíram alegando divergências com a administração da banda – Chorão se viu num lugar único. Como recomeçar algo tão enraizado? O apoio do ex-guitarrista Thiago Castanho, que voltara à banda, do produtor Rick Bonadio e os novos e ótimos músicos Heitor Gomes (baixo) e Pinguim (bateria) foram a força que o líder precisava. O disco trouxe novos clássicos para a história do grupo, como “Onde não existe a paz não existe o amor”, “O Senhor do Tempo”, “Dias de luta, Dias de glória” e “Ela vai voltar”. A banda ainda regravou uma inusitada versão reggae-core “Para não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, e registrou um dueto trilíngue com o Sacramentos MCs, “Green Goes”. O trabalho traz ainda a participação do rapper Tubarão, coautor com Chorão de “Na palma da mão – O Ragga da Baixada”. Este CD físico apresenta uma faixa que não está disponível na atual versão digital do álbum, “Cada cabeça falante tem sua tromba de elefante”, em dueto com Rappin Hood.

DVD “SKATE VIBRATION” (2005)

O DVD traz uma performance gravada ao vivo pela banda, sem plateia, no dia 6 de novembro de 2005, na inauguração do Chorão Skate Park, pista de skate indoor criada por Chorão, em Santos, além de nove faixas extraídas do álbum “Imunidade Musical”, com imagens de shows e bastidores.

RITMO, RITUAL E RESPONSA” (2007)

Prod. Chorão e Thiago Castanho

Formado em parte pelas músicas da trilha sonora do longa “O Magnata”, com roteiro escrito por Chorão, o álbum sublinha as influências musicais do artista e sua habilidade para criar hits. O disco apresentou sucessos como “Uma criança com seu olhar”, “Be myself”, “Não viva em vão” e “Pontes indestrutíveis”. O trabalho é repleto de participações especiais: MV Bill (“Sem medo da escuridão”), João Gordo (“Vida de magnata”), Forfun (“O universo a nosso favor”), Markon Lobotmia (“Que espécie de vermes são vocês”) e Sacramento MC’s. Este último participa de duas faixas que não estão disponíveis nas plataformas de streaming: “Vivendo a vida numa louca viagem” e “Skateboard amor eterno”. O álbum finaliza com uma gravação ao vivo de “Senhor do Tempo”, registro que mostra a força do artista como band leader e o quanto Chorão era dono do seu próprio tempo e de sua própria tribo até então.

CD E DVD “RITMO, RITUAL E RESPONSA AO VIVO” (2008)

Prod. Chorão e Thiago Castanho

O álbum traz uma vitoriosa turnê que percorreu o Brasil e exterior e foi eternizada em DVD. Gravado em junho de 2007, no Expresso Brasil, em São Paulo, a banda sublinha a potência e o carisma ao vivo. Do álbum de estúdio anterior, eles trouxeram para o palco as participações de Forfun (“O Universo a nosso favor – Ao Vivo”) MV Bill (“Sem medo da escuridão – Ao Vivo”). Após o lançamento deste trabalho, o Charlie Brown Jr resolveu fazer uma pausa para férias e este foi o último disco da banda na casa que o lançou, a EMI Music.

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