“Parece que a gente tá vivendo um mundo que teve um corte brusco, um mundo novo. Mas na verdade, é a continuidade de ações que vêm sucateando nossas vidas há séculos”. É assim, enxergando continuidade no que inicialmente aparenta ser uma ruptura, que o artista fluminense Thiago Elniño dá os primeiros passos públicos com Correnteza, terceiro álbum de estúdio em sua discografia. Ao colocar no mundo o videoclipe “Preta & Dengo”, onde reúne a música “Preta!”, do disco Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos (2019); e “Dengo”, parceria com Zé Manoel e primeiro single de seu próximo trabalho, previsto para o dia 23 de março , o rapper quebra a ideia de interrupção entre as suas produções. Ele pega os ouvintes pela mão para percorrer por uma ponte construída entre os singles, tendo o afeto como protagonista.
A continuidade de maneira direta do trabalho desenvolvido no último disco carrega uma mensagem que transcende os limites sonoros. Com direção de Sthefany Barros e elenco formado pela cantora e atriz Késia Estácio e pelo ator Izak Dahora (conhecido pelas séries O Sítio do Picapau Amarelo, Os Dias Eram Assim, e pela novela Éramos Seis), o videoclipe destaca o carinho e o cuidado de um casal afrocentrado, retomando um dos temas que Thiago via tendo mais espaços nas discussões raciais até a chegada da pandemia. “Alguns assuntos estavam ganhando um novo olhar e devemos continuar nesse caminho, a pandemia não suspendeu os problemas já existentes, ela potencializou”, pontua, antes de reforçar a ideia de que fez o afeto surgir como protagonista. “Independente da conjuntura e do momento, o afeto e o amor entre nosso povo é uma inteligência, uma proteção”, reflete.
O elo criado entre as músicas “Preta!” e “Dengo” (ambas produzidas por Martché e com beats de Rafael Chevi e Geeli, respectivamente) traz também a conexão de duas linguagens do samba. Em “Preta!”, Thiago buscou referências no samba rock e no samba de partido alto de Cacique de Ramos, indo de Jorge Ben ao grupo Fundo de Quintal. Já em “Dengo”, a construção sonora é norteada pelas influências do samba-canção e do samba-choro, principalmente pelos artistas da comunidade da Mangueira, de Jamelão a Cartola Nelson Cavaquinho. A última, inclusive, apresenta instrumentos de sopro e arranjos de piano – sonoridades que o rapper acredita serem muito populares, mas também distanciadas do grande público, muitas vezes por serem colocadas como algo elitizado. “É uma sofisticação popular. Por isso a participação do Zé Manoel. Aos meus olhos, ele é um representante gigante das nossas possibilidades. E, assim como falar de afeto, isso mostra que a população preta não é uma coisa só, é rica em diversidade”, conclui.