Por Juliana Bragança
MC Carol é uma peça emblemática na cena funk carioca atual: passeando pelo funk proibidão, pelo funk consciente e pelo funk putaria, a artista se mantém há anos na mídia, sempre com algum sucesso. Músicas como “Minha Avó Tá Maluca”, “Delação Premiada” e “100% Feminista” (que contou com a participação mais que especial da também já consagrada rapper Karol Conká) fizeram grande sucesso e estão até hoje na boca do povo.
Mas não para por aí! Em abril deste ano, a artista esteve como convidada na Brown University – uma das universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos – para participar de uma palestra sobre o atual cenário político e social brasileiro. Antes disso, fez uma breve turnê na Europa.
No fim do mês, dia 27/09, MC Carol irá representar, ao lado da rainha Tati Quebra-Barraco, o nosso funk carioca no Espaço Favela do Rock in Rio. Ninguém para essa mulher!
A conquista mais recente da MC Carol foi tornar-se musicista reconhecida pela Ordem dos Músicos do Brasil do Rio de Janeiro (OMB-RJ).
Como já era de se esperar, os haters logo se manifestaram contra essa importante conquista da artista. Confira abaixo dois destes comentários:
“A OMBRJ deveria ter colaborado com a música e proibido esse ser de se documentar… O que ela sabe de música?”
“Vou levar um Galo, pois tenho certeza que ele canta melhor do que isso daí!”.
Uma mulher, negra, feminista, favelada, funkeira, sendo convidada a participar de palestras em universidades estrangeiras, cantando no Rock in Rio e ainda por cima se tornando musicista reconhecida? É óbvio que muita gente (preconceituosa) não conseguiria mesmo engolir!
O funk carioca está completando, neste ano de 2019, 30 anos de existência. Eu, como historiadora que sou, adoro futucar o passado, né? Pois é. Ao longo desses 10 anos que venho pesquisando o funk carioca, foi muito fácil perceber que havia – e ainda há – um grande preconceito em relação ao funk. Esse preconceito, por sua vez, é reflexo dos preconceitos contra aqueles que produzem e consomem funk: pretos, pobres e favelados, em sua maioria. Por mais que o funk tenha alçado vôos mais altos e conquistado outras classes sociais e até mesmo outros países, é indiscutível que ele é muito mais aceito quando é produzido por uma pessoa branca do que por uma pessoa negra.
O antropólogo Hermano Vianna foi o primeiro a tratar sobre o funk como objeto de pesquisa em uma universidade. Além da sua maior obra sobre o assunto, “O Mundo Funk Carioca”, ele escreveu sobre o funk em vários outros livros. Vejamos abaixo um trechinho de sua participação no livro “Abalando os Anos 90”, de Micael Herschmann:
“Os críticos reclamam da pobreza lírica e melódica do ‘rap de morro’. De uma maneira patética, eles só repetem as queixas de outros críticos diante do surgimento do rock, do soul, do punk, do samba, ou de tudo aquilo que não consegue entrar na sua preconceituosa cartilha de ‘música de qualidade’”
A noção de “música de qualidade” é algo muito subjetivo, e não restam dúvidas de que este conceito está intrínseco a outras tantas questões, tais como racismo, preconceito de classe social e até questões morais. O debate aqui, na verdade, não gira em torno de a música funk ter ou não qualidade musical, tendo em vista que o funk passou a ser consumido também por outras classes sociais ainda em meados da década de 1990 e ainda hoje segue encantando e envolvendo um enorme número de pessoas. O problema principal aqui é “simples” e pode ser definido em uma única palavra: racismo.
Ao longo desses 30 anos, o funk vem sofrendo várias tentativas de proibição. Nenhuma delas deu certo e nunca dará. Sabe por quê? FUNK É RESISTÊNCIA!
Atura ou surta, bebê!
Juliana Bragança – é historiadora pela Universidade Veiga de Almeida (2011), mestra em história pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2016), e professora de história concursada na rede estadual da Bahia (2019). Cria de São Gonçalo, é fã de funk desde pequenininha. Nas horas vagas, desce até o chão. Entre em contato: jsilvabraganca@gmail.com