Por Ramon Vellasco
É muita verdade quando dizem que o Circo Voador é um espaço pulsante de vida e energia. Dá para sentir a força do espaço em cada canto e ar respirado. É como entrar em outra realidade. Realmente acontece essa sensação quando você vê que toda a multidão se entende sem dizer um “oi’ ou tudo o que você grita, ouve e observa parece um momento conectado a todos e que nunca se acabará.
Para quem diz que a cena do rock está fraca, não viu o que aconteceu durante os shows do Black Pantera, Surra e Dead Fish. Uma noite não só de entretenimento, mas de lembrar sermos resistência ao que o país vem sofrendo politicamente e também de acolhimento e esperança a quem deseja uma sociedade com mais direitos iguais. Com disposição a mil, ninguém parou em nenhum momento (só nos intervalos entre uma banda e outra). E seria difícil parar, diante de tanta energia e reciprocidade do público com as bandas, que se apresentavam com sonoridade rápida, pesada e direta como todo Hardcore, Punk Rock e Metal devem apresentar.
A noite começou com a porrada do som da banda Black Pantera, da cidade de Uberaba, formada há 4 anos, pelo power trio Charles Gama, Chaene da Gama e Rodrigo Augusto. Com referência do movimento afropunk, a banda apresentou seu repertório que escancara as condições do racismo em nossa sociedade e também críticas sobre as condições de relações sociais nos dias atuais. O show foi forte do início ao fim, mas, para mim, teve seu momento alto quando tocaram “Punk, Rock, Nigga, Roll” e, principalmente, em “Abre a roda e senta o pé” – acho que não preciso explicar muito. Imagine uma roda punk em quase toda a parte interna próxima ao palco. Também fizeram crítica ao racismo que a população preta sofre no Brasil, tocando a música “A carne”, da cantora Elza Soares (o que também entendi como homenagem, pela mulher que Elza e sua música representam). Eles finalizaram a noite dando o recado que queriam. Com a música “Boto pra f***r” – e realmente eles botaram pra f***r naquele palco. O trio deixou claro seu posicionamento anti-racista e de empoderamento da população preta e o motivo de serem uma banda que vem se destacando no cenário do rock nacional e internacional.
A segunda banda da noite foi Surra, da cidade de Santos, que está no cena há 7 anos. O trio apresentou repertório com letras rápidas, vocais quase sempre aos gritos e uma bateria que não perdia o ritmo acelerado, mesmo quando parecia diminuir a velocidade. Como se não tivessem tempo para ficar dando voltinhas com as palavras, os vocais divididos entre guitarrista e baixista, acompanhados pelo baterista, Leeo Mesquita, Guilherme Elias e Victor Miranda, respectivamente, deixaram bem claro ao público o que eles traziam para o palco – música com mensagem política anti-fascista e anti-capitalista, contra o atual governo do país. A banda apresentou seu repertório do cd mais atual, Escorrendo pelo ralo, com músicas como, “O mal que habita a Terra”, “Ultraviolência”, “Vida Medíocre” e “Escorrendo pelo ralo”, faixa que leva o mesmo nome do cd. Já chegando ao final do show, em uma das músicas finais, com a energia em 220, o público não deixou de gritar sua mensagem “Fora Bolsonaro!” “Hey, Bolsonaro vai tomar no c*!”, que de forma engraçada, deu abertura à música “Parabéns aos envolvidos”. Fazendo um pequeno trocadilho. A banda Surra com certeza deu uma surra nos ouvidos de cada fã e deixou todos aquecidos para o show principal.
E finalizando a noite da melhor forma, a banda Dead Fish, dos integrantes Rodrigo Lima, Ricardo Mastria e Marco Melloni, com 28 anos de correria, entrava ao palco para estrear o recente trabalho Ponto Cego, cd que foi produzido durante 4 anos, desde Vitória, e que fala abertamente sobre o atual cenário político de nosso país. Mesmo não dando nome aos nossos excelentíssimos representantes do golpe, é muito fácil identificar de quem eles falam em suas letras. Como na música “Sangue nas mãos” ou “Messias” (título nem um pouco sugestivo).
O público atento aos primeiros acordes e melodias da banda, entrou no clima e sem esperar mais um segundo, já subiam ao palco interagindo – fosse com uma dancinha, um abraço ou dividindo o microfone com o vocalista (Rodrigo Lima). Também não faltou roda punk e pulos do palco sob o público. A banda apresentou um show com repertório variado, com as músicas mais recentes de Ponto Cego até os primeiros trabalhos que fizeram a banda ser reconhecida na cena musical. Difícil falar quais músicas fizeram o público se agitar mais, mas devo dizer que das músicas novas “Não termina assim”, “Sombras da caverna”, “Doutrina do choque”, “Receitas pro fracasso”, “SUV’s Stupids Utility Vehicle” e “Sangue nas mãos”, foram as músicas que mais senti emoção e me fizeram ver o público presente totalmente conectado.
A banda também tocou músicas como, “Queda Livre”, “A urgência”, “Zero e Um”, “Autonomia”, “Afasia” e outras músicas dos cds Dead Fish Afasia, Dead Fish Contra Todos e Dead Fish Zero Um e também algumas músicas do último cd Vitória, que despertaram o mesmo sentimento de conexão.
Obviamente a noite do Circo Voador não foi só de gritaria e roda punk, mas também de perceber que o rock ainda está vivo, falando alto, quase berrando que xs garotxs ainda estão aqui e que acreditam em um país onde a diversidade e a diferença serão respeitadas, em que a ganância e a corrupção não serão mais um problema e que o rock ainda pode ser visto como um meio de luta e resistência a todo esse sistema político opressor, possibilitando acolhimento às pessoas que ainda acreditam, realizam, desejam e persistem por mudanças.