Dos anos 1980 até o início dos anos 2010, existia o costume de se misturar faixas de diferentes artistas numa mesma coletânea. Naquela época, as gravações eram difíceis de se concretizar devido ao alto custo e à pouca acessibilidade aos equipamentos e técnicas para a montagem de home studios. Era mais viável gravar uma faixa por banda e juntar com outras para montar um disco ou uma fita que trouxesse um pouquinho de cada um, ajudando assim na divulgação de todos e contemplando o público com uma vasta amostra do que era a cena da época em cada região. Essas compilações também poderiam servir como demo para mostrar novos talentos para as gravadoras, a fim de conseguir um contrato que possibilitasse uma maior estrutura para o trabalho.
O Polifonia Periférica fez um apanhado de algumas mixtapes importantes para a construção histórica do rap nacional. A seguir, um pouco sobre grandes artistas que fizeram a cena do final dos anos 1990 até aqui, como foi a evolução e quais eram os circuitos do mundo da rima até então.
Menção honrosa:
Iky’x Tape – mixtape (Iky Castilho & Dj Babão apresentando diversos artistas como Funkero, Kamau, Menor do Chapa, Shawlin, Gil Metralha e muitos outros)
5 – Zoeira Hip-Hop Carioca
Essa mixtape foi lançada em fita cassete entre os anos 1999 e 2000. Conseguir encontrar todas as faixas na internet é uma tarefa extremamente árdua, porém, um pouco mais da metade delas está disponível no youtube livremente. A coletânea reúne vários artistas como Marcelo D2, Aori, Marechal, Shawlin, BNegão e muitos outros que fizeram parte da “Zoeira”, a festa precursora de toda a cena do Hip Hop da Lapa. Nela surgiram grupos como o “Quinto Andar”, que foi um marco para o rap underground independente. Com uma sonoridade extremamente excêntrica e irreverente, eles foram pioneiros no uso da internet para a divulgação de seus trabalhos. Outros produtores, mc’s e batalhas de rima consagradas como “A Tradicional Batalha do Real” também são oriundos da lendária festa que ocorria periodicamente no bairro boêmio do centro da cidade do Rio de Janeiro.
4 – Selo Instituto na Coleta Seletiva (Instituto + vários artistas)
Coletânea de 2005 realizada pelo selo Instituto, de São Paulo, que tem como um dos principais produtores Daniel Ganjaman, que trabalhou com nomes como Planet Hemp, Sabotage, Criolo, Racionais Mc’s, Seu Jorge, Nação Zumbi, Zeca Baleiro e muitos outros. A coletânea reúne músicos incríveis como Jorge Du Peixe e Alexandre Basa (produtor do Black Alien e do Mamelo Sound System), além de vários mc’s e grupos importantes, entre eles Sabotage, Kamau, Z’África Brasil, Mamelo Sound System, De Leve e outros.
3- Mixtape Safra 013 (Café Crime)
Lançada em 2013, a mixtape conta com participação de mc’s que já eram consagrados como Criolo, Rapadura, Pedro Qualy, Cidinho e outros em início ou transição na carreira, mas que hoje são referência como Bk e Rincon Sapiência, além de lendas das batalhas de mcs como Gil Metralha, Max B.O. e Negra Rê – só a nata do underground nacional!
Mixada pelo Dj Soares, a maioria das produções ficou na conta de Iky Castilho e Ramiro Mart que rimam em boa parte das faixas e dão aula na escolha de samples, cortes, programações e conceito sonoro do disco – vale a pena conferir!
2- Sabotage, uma luz que nunca irá se apagar (Mixtape, Sabotage + RZO + vários artistas)
Esta é uma mixtape lançada em 2002, pouco tempo após a morte de Sabotage. Contém músicas do Maestro do Canão que não estão em seu álbum oficial “Rap É Compromisso!” Entre elas, encontram-se muitas participações com o RZO e outros grupos parceiros do Sabota como Instituto, Trilha Sonora do Gueto, Z’África Brasil, SP Funk, Posse Mente Zulu, Di Função, BNegão e até Sepultura.
1- Marcelo D2 apresenta: Hip Hop Rio (Coletânea, Marcelo D2 + Vários artistas)
Uma iniciativa de Marcelo D2, o disco vem mais profissional e encorpado do que a mixtape da Zoeira e foi uma forma de oficializar o rap carioca no cenário nacional em 2001. Mesmo com diversos artistas participando, pode se considerar um álbum. O conceito é bem definido pela ambiência e interlúdios que mergulham o ouvinte num evento lotado no circo voador apresentado por Marcelo D2. As gravações são de estúdio e a qualidade técnica é impecável.
O álbum inicia com o mestre de cerimônia Marcelo D2 dando boa noite ao público. Ele faz intervenções durante todo o disco, interagindo com a platéia e apresentando os artistas que virão a seguir. Há espaço também para sessão solo do Dj Negralha nas pick-ups enquanto D2 anima o público e enche a bola do Dj. Há também outro interlúdio, antes da entrada de BNegão no palco, que simula uma situação em que duas amigas saem da pista para ir ao banheiro e uma dá conselhos sobre a vida amorosa da outra através de uma rima.
Hip Hop Rio faz um apanhado dos maiores mc’s e grupos do estado na época. Não esquecendo das meninas, que ainda eram minoria pelo fato da cena estar engatinhando naquele momento, mas que tiveram sua representatividade assegurada com o grupo NegaAtiva cantando “Pula na Muvuca”, uma crônica sobre o verão carioca dos anos 90. Boa parte das faixas foi produzida junto do próprio Marcelo D2 e recebem influências de samba e funk da virada do milênio.
O rap carioca se apresenta para o Brasil com a marca da pluralidade de estilos e temáticas. Nesta coletânea, artistas extremamente técnicos como Inumanos, Esquadrão Zona Norte, Black Alien & Speed e Mahal desfrutam do auge de sua criatividade e singularidades para inovar apresentando vocabulários, métricas e abordando temas nunca antes vistos no rap nacional.
Obrigado pela leitura pessoal, esperamos que tenham gostado, em breve viremos com novas indicações. Aguardamos as suas dicas e comentários a respeito, aquele salve, até a próxima!
Gustavo Silveira, aka Caliban, Mosca Produções, Polifonia Periférica.