Djonga voltou com tudo, e nós também – para mais uma resenha crítica!
Virou mais uma das marcas registradas do rapper: lançar no dia 13 de março um álbum com 10 faixas falando sobre racismo, auto-afirmação e conforto emocional para os familiares e entes queridos. São três anos seguidos e a evolução álbum a álbum é eminente. Dicção cada vez melhor, cada vez mais compromisso e lucidez nas letras! Para quem quiser botar defeito, ele veio tão preparado que nocauteou antes de dar a chance de abrirem a boca: “Dizem que só falo das mesmas coisas / É a prova que nada mudou, nem eu nem o mundo!”
Se, no início, Djonga recebia minha crítica por conta da gratuidade de metáforas com cunho sexual, muitas vezes interpretadas de forma ofensiva, hoje ele se mostra muito mais cuidadoso, sem perder a irreverência e a ousadia. Assim, irreverente e ousado, inicia o disco pedindo pra “abrir alas para o rei”, mas, sem perder os pés no chão nem por um instante, afirma: “[…] É pra nós ter autonomia, não compre corrente, abra um negócio / Parece que eu to tirando, mas na real tô te chamando pra ser sócio / Pensa bem: Tirar seus irmãos da lama, sua coroa larga o trampo / Ou tu vai ser mais um preto que passou a vida em branco? […]”
A segunda faixa pesa tanto quanto a primeira e ele só suaviza na track seguinte, intitulada “Leal”, a principal lovesong do disco. Como de costume, o mc utiliza inúmeras comparações, metáforas e jogos de palavra ao comparar a amada com a Queen Latifah ou em passagens como: “Ela me diz que faz cinema, minha vida é um filme / Nós dois é combinação que vale Oscar / Oscar Niemeyer desenhou suas curvas / Parece que eu mandei fazer, juro que tá do jeito que o pai gosta”.
Uma característica interessante no decorrer da obra é a forma de rimar do rapper. Em certas músicas, ele coloca a sonoridade da rima apenas no final do verso, discorrendo as frases com calma, enfatizando muito mais a mensagem do que a sonoridade propriamente entre as linhas. Outra questão interessante que se percebe em sua escrita é que, em certas músicas, ele não se limitou às 16 barras por verso e realmente cuspiu linhas sem se preocupar com o formato popular da maioria dos raps. Ele fez isso, por exemplo, em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, com participação de Filipe Ret, cujo título é uma referência ao filme de Glauber Rocha, clássico do Cinema Novo Brasileiro.
A faixa Ladrão, homônima ao título do disco, é a verdadeira cara do álbum. Ela explica o conceito, reafirmando a condição de linha de frente da juventude negra no país e o protagonismo que o rapper tem adquirido ao longo da caminhada. “Um salve pra quem não desacreditou, eu sou ladrão e pros perreco é poucas” – o refrão é pra cima e a história narrada exemplifica como querem, por todos os lados e de todas as formas, desestabilizar sua carreira e sua família, criticando também as fãs que, em posição de privilégio social, tentam seduzi-lo para desvirtuar a sua relação amorosa fiel.
Na sequência, “Bença” é a letra mais emocionante do disco. Se no trabalho anterior a homenagem foi pro filho que acabara de nascer, desta vez sua avó ganhou o conforto das palavras. A forma como ele engrandece a caminhada da senhora e procura enxergar o lugar das dificuldades que ela passou demonstra que, de todos os rappers que surgiram na mesma época, o Gustavo Pereira é, sem dúvida, o que mais amadureceu e tomou uma postura de sujeito homem para a vida e para sua carreira.
A faixa “Voz” é uma homenagem à sua área e à sua carreira, dando voz a quem começou com ele. Nessa track, o rapper convidou o Doug Now, a quem faz elogios no seu próprio verso, e o Chris, que já possui uma caminhada de respeito na cena e também é oriundo de Minas Gerais. Os mc’s se esforçaram e a música saiu bonita pela vibe que colocaram no som, mas nenhum verso das participações do disco inteiro conseguiu ficar no mesmo nível das letras do artista principal.
“Mlk 4tr3v1d0” prepara para o encerramento da obra e sai da roupagem do rap, com o mc rimando acapella numa homenagem ao samba clássico de Jorge Aragão, mais uma vez cultuando suas raízes com muita propriedade.
O álbum possui uma sonoridade muito próxima o tempo todo e os flows variam pouco, mas o formato compacto de apenas 10 faixas, sempre com letras que jogam lá pra cima o nível da informação. Dá vontade de ouvir inúmeras vezes! As músicas foram produzidas por Coyote e Tiago Braga, e o bom gosto na escolha dos beats cumpriu bem o papel sem tomar o protagonismo da voz, evidenciando a lírica rebuscada.
Djonga é Djonga, Mano Brown é Mano Brown, e Emicida é Emicida. Não tem comparação, mas, a meu ver, o mineiro, com este álbum, acaba de sacramentar seu lugar na cena. Trouxe de São Paulo para Minas Gerais o bastão que oficializa a sua posição de liderança da atual escola do rap.
Obrigado pela leitura! Até a próxima. Muito em breve, teremos novidades.
Resenha por Gustavo Silveira, aka Caliban, Mosca Produções, Polifonia Periférica.