Por Issa Paz
Se antes a minha percepção generalizada da sociedade era a de seres controlados, distanciados do raciocínio lógico, desprovidos de conhecimento e totalmente ignóbeis, ontem essa percepção se confirmou num fato. Uma “manifestação pacífica” que ao pedir a destituição da atual presidente, impuseram pedidos da volta do regime militar.
A favela sabe bem o que é intervenção militar e um estado mínimo. As trincheiras montadas na favela da Maré, no Rio De Janeiro, comprovam isso. Já é uma guerra. Nas quebradas de SP, altos de concessão, toque de recolher, desaparecimentos, presos políticos, sessões de tortura, ocultação de cadáver. Aliás, isso acontece nas quebradas do Brasil inteiro e se isso não for uma Ditadura eu realmente não sei o que é.
Não consigo imaginar o quão pior isso seria para o gueto se nosso querido Estado se tornasse ainda mais militar, mas pode incluir ai mais uns 200 anos de atraso e regresso, isso só para a periferia! Acredito fielmente que esse não é interesse do movimento Hip Hop.
Primeiramente porque o Hip Hop é um movimento intrinsecamente periférico. Também por ser um movimento que em sua essência é de luta e denúncia contra o estado racista e contra o genocídio do povo de periferia. Se você não concorda com isso, conhece bem pouco sobre o RAP e sobre o movimento num geral.
Entretanto ainda vemos MCs e ainda muito de nosso público que apoia as manifestações, em prol do Impeachment ou em prol de uma reforma política, sem saber para qual lado isso tudo caminha. Seria vergonhoso se não fosse lamentável.
Essa seria a hora do Hip Hop se reestabelecer como movimento político mais do que nunca, um movimento político periférico e igualitário. Com posicionamento definido, caminhando em oposição ao que vimos nos cartazes no protesto anti-Dilma. E isso não é assumir um partido, é ir na direção ideológica contrária à de fundamentalistas religiosos, militares saudosistas da ditadura, grupos que promovem racismo, machismo, homofobia e elitismo. Isso é mais do que necessário, isso é urgente.
Não acredito que somente o Hip Hop vai salvar o mundo, mas sei da força que a música tem sobre as pessoas, e eu sei que as pessoas podem salvar o mundo. O que as pessoas que estavam ontem na paulista precisam? Enxergar seus cárceres, entender o mundo ao redor, sentir empatia pela dor do próximo, pois eles só têm ódio. Ódio de tudo o que não lhes contempla, ódio de tudo o que não lhes agrada. E nós? Temos dados, estatísticas, provas, argumentos embasados em conceito filosófico e científico. Imagine se as letras de RAP se voltarem ainda mais para trazer isso à tona?
O que mais me dá medo é a forma como a juventude da periferia adere às tendências da elite, será que dá pra ferrar mais ainda? O oprimido querendo ser o opressor de maneira mais nítida ainda? Porque não podemos voltar e Empoderar todos? Será que a militância realmente não vale a pena? Alguns manos quando falam que “a revolução já era” se esqueceram de quantos manos e minas das quebradas já salvaram com suas letras?
Para mim, essa é a hora de cada vez mais colocarmos causa às nossas ações, pesquisar e estudar o mundo ao nosso redor, aderir à um posicionamento ideológico, nos instruirmos mais para assim, podermos instruir a periferia e dar poder e voz novamente ao oprimido. Se a periferia se juntar num uníssono o caminho para a liberdade e justiça será muito mais possível.
Não estou pedindo que paremos de fazer música e falar de outros assuntos, não estou pedindo que o RAP seja apenas isso, mas acho que já está mais do que na hora de assumirmos a responsabilidade de ser um movimento de periferia e tomar um lado nessa história. Não quero que cantemos somente sangue, quero que cantemos em prol da nossa liberdade para que depois não sejamos proibidos de cantar e daí já seja tarde demais.
A revolução que deve e precisa acontecer não vai acontecer hoje ou amanhã, é um processo de educação e conscientização e demora anos para que realmente aconteça, mas penso que realmente precisamos nos articular mais para chegar lá antes do esperado, e antecipar isso é antecipar nossa liberdade, a liberdade do povo periférico e de toda a opressão existente. De que lado você vai estar?