Por Denise Bergamo
CIDINHA DA SILVA EM: RACISMO NO BRASIL E AFETOS CORRELATOS
Há tempos que me distanciei dos estudos de crítica literária, o saldo positivo que isso me dá, é que me livrei dos jargões cri-cris, mas em contraposição posso não dar o fino trato que a obra em questão merece.
Analisemos primeiramente o título, é uma assertiva emblemática de que por aqui, se pôs fim ao mito da democracia racial, logo de entrada Cidinha nos deixa o recado e para que fique bem claro Iansã está divinamente com seus dois chifres de boi a postos na capa, para fazer perceber os mais desavisados, na altura dos olhos para o início franco de um diálogo.
Sempre atenta aos meios de comunicação, a autora neste livro percorrerá as linhas construindo análises críticas dos anais televisivos. O marcante na obra é de como ela retrata ora objetivamente, ora subjetivamente a novela “Lado a lado”, sempre atenta a concessão que a transmite. “É novela, quer o quê? Para de chiar e mude de canal”. Braveja Cidinha ao introduzir um de seus textos opinativos sobre a novela.
Entre os debates, debates por que o livro nos leva ao diálogo direto com a autora, Cidinha se dedica a tracejar seus pensamentos de nossa “pós-moderna” contemporaneidade, abordando a práxis das figuras negras: Joaquim Barbosa, no campo judiciário, Anderson Silva, no desporto, Ellen Oléria, na música e ainda se tratando de nicho político, a discussão mais que profícua da PEC das empregadas domésticas.
Ao ler “Branquitude! Tremei! A PEC das Empregadas veio para ficar”, neste momento Lukactiano pelo qual passo, observo que Cidinha reprova a função que se atribui, até pelo contexto histórico que a escrita negra ganha quando inaugurada em ambiente nacional, ao negro ou a negra que escreve como militante, mas veja Sartre, agora resplandecido na figura de Sérgio Vaz, precisamos de artistas cidadãos e no que concerne a nós seres ontológicos, a arte é, ressaltando Lukács, um projeto despretensioso de se fazer a revolução. E isso é válido sim. E que não se cristaliza, ele se revigora a cada sintaxe posta no papel pela escritora. Sublime se ver como alguém que pode pela palavra citar mudanças.
Finalizo a sucinta observância de quem admira com o texto “Quanto mais mundo na vida da gente, melhor”. É banquete de prima para qualquer crítico, suas idas e vinda de um lugar só dela que não sabemos se existe ou não, trabalhado com o melhor da metafísica machadiana e da construção etnográfica mais detalhista e cheia de dedos que deixaria consternado as personagens de qualquer Flaubert ou Eça de Queiroz, com a malemolência de Jorge Amado faria Octavio Paz encontrar ali, naquele texto a explicação do que é se estar/ser inspirado.
É dele que Marcos Fabrício Lopes da Silva extrai um pedacinho da escrita de Cidinha, metáfora da qual a cultura ocidental atribuiria ás musas tamanha riqueza e felicidade compreendida em uma só sentença com tamanha sabedoria que se dá, se podemos usar de analogias, por um encanto feito pela própria Iansã, divindade que está na capa.
E será com esta sentença que fecho essa observância de quem admira: “Eu guardador de águas, inda não aprendi a ser rio.”