Por Repper Fiell
Perto de completar três anos da implantação da UPP (Unidade de Policia Pacificadora) no morro Santa Marta, Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, o que melhorou? O que não melhorou? As mídias burguesas estampam seus jornais, revistas e propagam que as UPPs são uma necessidade para as favelas cariocas. A mesma mídia estampa os jornais, revistas e mostra na TV, de forma criminalizadora, que quem ousa criticar esse projeto tem participação no tráfico de drogas ou já teve.
Eu, Repper Fiell, fui e sou taxado desses insultos por ter uma visão crítica ao projeto. Desde a implantação da UPP aqui no morro Santa Marta, em 2008, eu me fiz essa pergunta. Para quem? Para quê? Hoje acho que eu e muita gente já temos essa resposta.
Sou um socialista e luto pela paz. Não uma paz armada. Nem tão pouco, uma paz que venha pelo carro blindado da Bope intitulado de: PACIFICADOR. Ou melhor – O carro passa e fica a dor, para os familiares que tem seus entes queridos, envolvidos ou não no varejo da droga, fuzilados por essa política de auto de resistência. No Brasil não tem pena de morte, ou temos?
A mídia burguesa ajudou e continua ajudando a imagem afável da UPP, mas não mostra as ações diariamente irregulares que os policiais fazem. Agora, com a expulsão do tráfico armado, quem fiscaliza as autoridades da UPP? Qualquer ser humano com uma arma ao seu poder irá olhar para outro ser humano com olhar ínfimo e autoritário. Esse fato fica ainda mais violento quando o cidadão é morador de favela, como eu.
Lembro-me que no primeiro mês de “Policia Pacificadora” no morro Santa Marta, ocorreu muito excesso de abuso de autoridade, mas sempre quem vai à delegacia autuado é o pobre favelado, enquadrado no desacato à autoridade. Foi desses fatos que pensei e construímos uma Cartilha de Abordagem Policial do Morro Santa Marta, para exigir respeito e banir os excessos por parte da policia. Alguém pode se perguntar. Fiell, o morador não é santinho? Claro que não. Mas para uma Polícia que vem com o slogan de Polícia Pacificadora, se quiser conviver em qualquer favela do Rio de Janeiro, terá que pensar em inteligência e tolerância, a idéia é uma policia comunitária, de aproximação. Ou eu estou equivocado?
Quando Lançamos a Cartilha aqui para os moradores do Santa Marta, tivemos respostas rápidas e reduziu em 70% os abusos policiais. Alguns populares do morro, que desconheciam seus direitos e deveres, passaram a reter e exigir. Esse ato de organizar esse manual dos direitos e deveres não foi bem aceito pela PM, que respondeu com truculência e me prendeu no bar do Zé Baixinho, alegando som alto. Quando me conduziram ao camburão, cerca de 12 PMs me espancando, eles falavam “Cadê sua cartilha?” para me proteger naquele momento.
Se o problema da favela são as armas, fuzis, isso continua, não importa quem a segura. As crianças, jovens e adultos continuam vendo armas a todo instante.
Fiell, o que mudou de positivo? Posso falar uma mudança pontual. Hoje não vivemos mais com o tiroteio, entre polícia e varejista de drogas. Sempre eu afirmo que no Brasil, não estamos vivendo uma guerra. E quando qualquer favela, bairro e cidade não vive embaixo de tiroteio, é direito de qualquer cidadão, e não favor do estado.
Então deixo claro aqui que nós, moradores de favelas, não devemos aceitar uma paz que exija algumas restrições por parte da UPP e seus dirigentes. Não ouvir funk, direito de protesto, liberação de festa, ameaças, constrangimentos. Não sou a favor e nem quero o varejo de droga armado violento, nem uma polícia truculenta. Podemos viver em comunhão sem armas impondo e ditando regras, ou não podemos?
Agora, já que a UPP está aqui no morro Santa Marta e nas outras favelas, temos todo o direito de fiscalizá-la e exigir um(a) policial que dialogue e respeite os nossos direitos básicos do cidadão, respeite a Constituição Federal.
Vejo além da UPP
Aqui apresento uma ótica de quem vive no Santa Marta. Já estamos em 2011, e ainda quase nada de melhoria coletiva chegou ao morro. Sim, medidas paliativas, sim, isso chegou e irá chegar sempre. Eu me refiro a mudanças revolucionárias, onde o povo poderá viver de forma igualitária, com mais saúde, moradia digna, alimentação de qualidade. Isso não chegou e vai além da UPP.
Falo além da UPP, porque me lembro de toda a midiática em prol da revolução chamada de UPP. Isso fez até os próprios policiais acreditarem que eles realmente são revolucionários. Certo dia eu conversei com um deles e ele me afirmou que trouxe melhoria para a favela Santa Marta. Eu, em seguida, o perguntei se ele poderia fazer uma reforma na minha casa, pois está com várias infiltrações. Ele ficou sem me responder.
Agora, eu quero tirar a UPP desse texto e falar sobre a nossa vida hoje no morro Santa Marta. O desafio que será para todos os moradores permanecerem neste território de negócios para a especulação imobiliária. Vejo um outro morro Santa Marta, onde moram estudantes de classe média, estrangeiros.
Onde há disputa para alugar um barraco de 15×5 metros pela quantia de R$ 350/400. Vejo bar se transformando em república, vejo bares tendo que se adaptar à tendência de ser empreendedor. Vejo as marcas excedentes de bebidas alcoólicas nos banners dos bares, em troca de cadeiras e mesas. Vejo também muitos comércios agonizando para resistir à morte, demitindo funcionários e aumentando seus preços.
Cadê a melhoria que falaram tanto na TV Globo e nos outros meios de comunicação? A Globo viveu imediatamente 30 dias aqui no Santa Marta durante o dia para mostrar as melhorias. Mas nunca nos deu voz. Agora existe uma melhoria que eu também reconheço: diminuíram as armas nas mãos dos civis e hoje não ouvimos mais tiros a esmo. O número de mortes com armas letais reduziu. Isso é muito bacana e direito nosso, já que no Brasil não vivemos em uma guerra. Porém, sabemos quem bota essas armas nas mãos dos consumistas e varegista do tráfico. E não é morador de favela não.
Fiz uma pesquisa e constatei que para nós, trabalhadores e moradores das favelas da Zona Sul, para sobreviver só com esses quatro itens: aluguel (R$ 350 mensais), café da manhã (R$ 3,50 por dia, total de R$ 105 em 30 dias), almoço (R$ 7 por dia, total de 210 em 30 dias), jantar (R$ 7 por dia, total de 210 em 30 dias), terá que desembolsar a quantia de: 875,00 reais. Vale lembrar que o salário mínimo é de R$ 530. Eu não incluo comprar leite, gás de cozinha, remédio, roupa, pagar conta de luz, TV a cabo etc.
Até a chegada das Olimpíadas, não sei se estaremos aqui no morro Santa Marta. Hoje, mais do que nunca, temos um custo de vida muito caro. A nossa conta de luz chega com valores aleatórios. No mês passado eu paguei R$ 50, sem ninguém ficar em casa, pois trabalhamos o dia todo fora. Nesse paguei R$ 45. Tenho conhecimento de que alguns moradores estão pagando R$ 80, R$100. Cadê a tarifa social? Sutilmente, estão “higienizando” a favela, sem que a totalidade dos moradores perceba. A mídia pulveriza a mente do trabalhador com o slogan de favela modelo e que temos que agradecer ao santo Sérgio Cabral governador do Rio de Janeiro.
O presidente Lula veio ao morro Santa Marta em setembro de 2010 e propagou que temos que esquecer o nome favela, pois esse já passou e é feio. Mas ninguém comenta a omissão com os moradores do pico do morro, pois lá não chegou absolutamente nada de urbanização. Toda essa transição beneficiou alguém: os enclaves fortificados dos ricos. Esses estão felizes da vida, com o aumento dos seus imóveis, de R$150 mil para R$ 300 mil e R$ 400 mil etc.
Hoje não podemos realizar o baile funk no morro, mas os blocos de fora do morro fazem seus eventos aqui e rola mais do que um baile funk. A UPP também faz suas festas, e não tem nenhum problema. Faço uma convocação para todos os trabalhadores que querem residir nas favelas, principalmente da Zona Sul. Vamos nos organizar porque as remoções virão e toda nossa historia irá virar mais um livro para sociólogos e pesquisadores que não moram em favelas.
Cartilha de Abordagem Policial em PDF
http://global.org.br/wp-content/uploads/2010/03/cartilha-santa-marta.pdf
Repper Fiell, è coordenador do Coletivo de Hip-hop VISÃO DA FAVELA BRASIL e morador do morro Santa Marta.