Por Bruno Cava
Foto: Rodrigo Torres, no CineOcupaRio
Na quinta-feira, 10 de novembro, o governo do Rio de Janeiro organizou uma missa civil. Concedeu ponto facultativo, espalhou faixas por toda a cidade, esbanjou publicidade no rádio e televisão, providenciou ônibus, fechou 26 ruas e a praça da Cinelândia. Apesar de custeada pelo dinheiro público, havia uma área VIP para convidados especiais. Seu objetivo: “protestar” para que os royalties do petróleo se mantivessem sob a gestão deles mesmos, os governos do Rio. Mobilizaram a população a favor de si mesmos. Chamar de protesto um evento oficial autolaudatório com a participação da Xuxa só pode ser piada.
Mas se deparou com uma outra praça. A arte a o amor estavam na praça. A Cinelândia não era mais a mesma. A OcupaRio conseguiu organizar o verdadeiro protesto e tumultuou o showmício. Os papagaios artísticos não puderam se apresentar e as autoridades não conseguiram discursar. A acampada da Cinelândia tomou a palavra, quebrou o bom tom e roubou a cena no tumulto da democracia real. No dia seguinte, a previsível desinformação pelos veículos da grande imprensa.
Nada mal para um movimento “apolítico”, “vago” e “alienado”. Os casmurros da velha esquerda queimaram a língua.
Royalties pra quem? Por que não constituir um Fundo Popular para receber os imensos lucros do petróleo? Um Fundo Popular administrado diretamente pelas pessoas, usando mecanismos da internet como o Demoex? O petróleo, afinal, é de todos. Em vez de alimentar a gulosa máquina representativa (eleições, corrupção, megaeventos, indústria cultural, grande imprensa), construir uma gestão democrática, em rede, uma gestão do comum. Para organizar os investimentos e contemplar quem precisa ser contemplado. Investir diretamente em educação, saúde, transporte e renda para todos. É preciso arrancar esse recurso vultoso da mão de parasitas e predadores, que investem mal e dilapidam a riqueza: governos municipais, governo estadual do RJ o setor de investimentos sociais/culturais da Petrobrás (esfera federal).
Muito mais que protestar contra a corrupção, a violência e a injustiça, as ocupações pelo mundo vão à raiz dos problemas e protestam contra a política representativa que produz sistematicamente a corrupção, a desigualdade e a violência. A política representativa que passa pelas eleições, pelos partidos, pelo choque de ordem, pela polícia. Mas também pela grande imprensa e seu jornalismo, que faz de tudo para nos representar através da ficção da opinião pública.
Frente à representação, só resta mesmo lutar por outra forma de organizar a produção e a riqueza, uma outra constituição material das relações sociais, da política e da mídia, como tem feito com alegria e criatividade a rede articulada de ocupações e protestos pelo mundo.
Bruno Cava é Escritor, filósofo e colaborador do site Quadrados dos Loucos.